sábado, 19 de março de 2011

As Posses de Urgezes

«Josias, Emanuel e Valério, eram órfãos da roda de S. Domingos entregues à colegiada como aprendizes coveiros. Já Epifânio e Hilário eram coreiros informados com três anos, dados e cumpridos na função. Suas vozes dominadas já faziam missas cantadas no templo de Santa Maria de Guimarães, hoje da Senhora da Oliveira. Ora, estavam acometidas funções de camaradagem a Epifânio e Hilário pois seriam já estreitos conhecedores dos rituais velhos do senhor S. Nicolau patrono e protector das crianaçs e meninos estudantes, dos pequenos pescados, dos ladrões e dos comerciantes. O dia de S. Nicolau era desejado por toda a estudantada que, neste dia, tinha alforria para dar largas à sua folia, depois de tantos dias, semanas e meses de cantochão. À solta pelos campos, os jovens em gritos e gritas acordavam os nabais e as couves dos quintais por onde trilhavam nas frias madrugadas e em braçadas se apropriavam para, com água géliada da ribeira, produzir um caldo der nabos de couves, ou somente de unto porcino desviado da arca da salmoira. Acordavam assim, aquecendo o corpo e a alma, também agradecendo a S. Nicolau a liberdade e libertinagem, permitida em seu dia. Depois, em busca de pau de lenha para o Santo Nicolau apanhavam a castanha aos molhos para saborosos magustos. Toda esta juventude tinha no Santo uma inspiração, um respeito e devoção que os fazia construir afeição pela feita e seus fazedores. Muitos eram já velhos padres, senhores de hirsutas barbas, agarrado a terceiras pernas de madeira, para espreitar as brincadeiras dos mais novos, neste dia. Era assim que os cinco correios da colegiada , depois da noite animada seguiam agora para Urgezes onde, segundo a recomendação do priorado estava ele obrigado a cumprir o dízimo da dita. Era esta uma quinta que na freguesia lá existira e que velhos frades tinham doado para com o dízimo patrocinar a festa ao Santo Nicolau. A posse de Urgezes era já de fama neste tempo, pois tinha nozes, figos e castanha. Uma rasa de milho para o pão e um naco de porco e ainda salpicão, haveriam eles de tomar no lavrador António da Quinta da Carreira. O dízimo ainda possuía água pé e maçãs pequenas e perfumadas que acabavam dadas às meninas que encontravam pelo caminho. Ao chegar, os cinco devotos ao Santo Nicolau recebidos pelo frade sineiro que também era cozinheiro e fazia gala disso. Gostava com alegria de tomar um bom quartilho de tintol e de o acompanhar com naco de carne de plovo, seco ao sol. Assim, com um largo sorriso deu a posse aos rapazes, fazendo-lhes o aviso da amargura das nozes. Desciam então pelo caminho dos costeiros até aos oleiros da Cruz de Preda e lá, nova posse de caruma e pinhas para acender fogueirinhas na placa maior do burgo. Eram neste tempo estas as posses da terra o sustento dos rapazes, que mantinham a festa viva com matinas e novenas ao senhor S. Nicolau cantadas, por acordo da sossego na Capela da Senhora da Conceição, instalada no caminho do norte orientado para Bracara Augusta. As posses velhas desapareceram com o tempo que as apagou da estória, mas como o povo tem meméria, foram recuperadas há uma década pelas novas gerações tendo sido o Dízimo de Urgezes especialmente estudado e reproduzido, para que o presente e o futuro assim as entenda. O dízimo de Urgezes é pois, simbolicamente a posse mais antiga existente e, na cidade, a posse da saudade. Então Emanuel e Josias e Valério com os dois companheiros Hilário e Epifânio sabiam que tinham de dar entradas pela porta da colegiada antes de o sol nascer no dia sete. Estava cumprida a função. Com ela se construiu uma tradição que tem vida imaginário e sonho em muitas gerações de velhos estudantes de Guimarães. Este conto é dedicado a todas as gerações de nicolinos que ao amor, fraternidade e dedicação mantiveram viva as festas ao Senhor S. Nicolau. À AAELG - VN detentores da função vigilante.»
in, Contos e Lendas de Urgezes.

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