sábado, 1 de outubro de 2011

Nicolinas



« (...) Pela boquinha da noite de 29 de Novembro de 1895 começaram a aparecer na "Fraga do Cano", vindos em grande número pela desaparecida rua de Santa Cruz, os estudantes externos do velho Seminário-Liceu, que para aquela afamada taverna haviam marcado reunião magna. Abancados às compridas mesas que serviam os lavradores que aos sábados vinham feirar os seus gados, banquetearam-se com um rico caldo verde, onde nadava a tora de presunto, seguindo-se-lhe uma opípara rojoada a que não faltava o fígado, a tripa farinheira e os grelinhos embebedados em azeite do fino, do do Padre de S. Miguel, terminando com umas papas de sarrabulho de comer e morrer por mais e umas travessas de aletria, marelinhas e brilhantes, graças a uns pozinhos comprados no droguista, já que os ovos estavam pela hora da morte, dada a vizinhança do Natal. E tudo isto regado com um verde tinto de se lhe tirar o chapéu, que muito ajudava à digestão de tão pesada como abundante comezaina. Terminada esta, muniram-se os circunstantes, que já então envergavam jalecos e coletes e se cobriam com o barrete verde e vermelho do lavrador minhoto, das baquetas e maçanetas consoante as "caixas" e "zabumbas" que lhes competissem e trataram de completar o cortelo, já em organização sob a carvalha do Cano: à frente, o carro de Minerva, deusa da Sabedoria, logo seguida do numeroso grupo dos "Zés P'reiras", atroando os ares com o seu cadenciado zabumbar; seguiam-se muitas dezenas de juntas de gado, que puxavam o pinheiro mais alto e mais aprumado que as luxuriantes matas de Aldão haviam produzido; a fechar, a música dos "Aguças", que, em tanto arruído, mal fazia ouvir os acordes do Hino de S. Nicolau. (...)»



A. Faria Martins, in Os Velhos 1895-1970, AAELG, 1970.

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